quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Olhe por onde pisa

03 de novembro de 2010

“Ensina seus filhos a respeitar a Terra onde pisam,
pois ela está plena das cinzas de nossos Ancestrais”.

Comentei anteriormente que tenho feito pesquisas em relação às crenças religiosas. Isso muito me atrai. Desde quando estava no Brasil. Em uma das minhas procuras, encontrei esse ditado popular angolano que cai como uma luva, atende às duas coisas que quero falar hoje.
No dia de finados a cidade ficou muito parada. Diferente de outros locais, onde as pessoas aproveitam a folga para viajar e curtir, percebi que as pessoas aqui ficam reservadas. Ou melhor, mais reservadas do que são normalmente. Previsível para uma cidade pequena.
De manhã teve missa na igreja católica que fica bem em frente ao meu quarto, e acordei com cantos em Kikongo. Atabaques e agogôs mais uma vez transportaram os meus pensamentos para a minha terra. Padre Pinto iria adorar a missa daqui de Mbanza Kongo. Iria se encontrar. Nunca mais voltaria. É uma pena eu não poder fotografar ou filmar. A galera daqui não gosta de ser alvo de câmeras. E não sou eu, quem vou pagar esse mico de fotografar pessoas. Mas que a missa é animada é.... Domingo vou fazer uma turnê pelas igrejas. Primeiro vou assistir a missa católica e depois vou assistir ao culto em kikongo na Batista, que aqui se escreve Baptista.
O respeito aos ancestrais, à cultura local, à língua nativa, às tradições é muito forte aqui no Zaire. Em Luanda percebi que já existe um distanciamento das origens. Aqui é diferente. Estava conversando com um professor de língua portuguesa e ele dizia que agora o governo inseriu todas as línguas nacionais no currículo escolar. Toda criança aprenderá a língua original na escola. Ele dizia que isso é muito bom, por dois motivos. Primeiro porque os idiomas só eram transmitidos de forma oral. Então, foi preciso montar manuais, dicionários, gramáticas. Criaram-se registros importantes para a língua não morrer. Como aconteceu com o Tupi, o Guarani e as outras tantas línguas dos índios brasileiros. Esses sim, brasileiros originais. E Segundo porque todos aqui precisam ser bilíngues. Para ele todo angolano tem que falar português, que é um idioma internacional, mas a língua deles é o kikongo. “Precisamos falar a nossa língua professor!”. É a lógica angolana, mais uma vez. Se sou nativo, preciso ter hábitos, conhecer, valorizar e respeitar a minha cultura. Que inveja!
O respeito aos ancestrais e ao passado é tão grande, que o cemitério dos reis do Congo é um orgulho para o povo. O esforço em valorizar e preservar os antepassados levou a cidade a virar um patrimônio histórico e cultural da UNESCO. O local faz parte das ruínas da Igreja de Kulumbimbi, construída em 1489. Procurei saber de professores mais velhos e eles disseram que esse termo não tem uma tradução específica, mas estaria associado à força, resistência. Óbvio que o apelo e o peso da primeira igreja católica da África deve ter pesado na decisão da UNESCO, mas que o povo lembra dos mortos, isso lembra. E celebra.
Fiquei pensando se existiria possibilidade de resgatar isso na nossa cultura e imaginei quantas dificuldes teríamos. Dizemos sempre que brasileiro tem memória curta. E é verdade. Lá em casa, tanto nos Ferraris quanto nos Marbacks, temos algum interesse em guardar e registrar memórias e histórias. Temos até genealogistas oficiais! Pelo menos um de cada lado tem. Mas não percebo isso de uma forma geral. Uma coisa é certa - a tradição oral, o contar histórias faz parte desse processo. E registrar é muito importante. Por isso, incentivo aos primos que continuem criando redes, mantendo contato, escrevendo as histórias das famílias. É a nossa própria história. Claro que não podemos deixar isso reger as nossas vidas, viver de passado. Até porque quem vive de passado não deixa os seus descansarem haahahah. Mas que é importante conhecer e preservar o passado, isso é.
Se você acredita que essa vida não se encerra aqui, com a morte do nosso corpo físico, deve começar a conhecer o seu passado correndo. Para poder ajudar a fazer um presente e um futuro melhor. Vai te ajudar quando voltar. Principalmente porque diz a lenda que nos agrupamos em família sempre, até em planos espirituais.
Vou mudar o rumo agora. Ontem fiz o meu primeiro treino de corrida em Mbanza Kongo. Saí 17:30h, um pôr-de-sol vermelho como o barro desse lugar. Lindo.
No início me senti um alienígena. Todos me olhando, achando estranho. Analisando depois, concordo com eles, é estranho mesmo. Um cara diferente deles, com roupas diferentes das deles, correndo pela rua... tem que estranhar mesmo
 Aqui ninguém anda sem camisa na rua. É desrespeito. Êita que Dr. Roberto iria gostar. Ele diz que o traje oficial da malandragem é bermuda, camiseta e havaianas!!! Fico com saudades das minhas corridas sem camisa na orla. Em dezembro vou fazer várias!!!!! Camiseta sem manga vi muito poucas pessoas usando. Mesmo assim só nos lugares mais carentes. Por falta de opção mesmo. Homens e rapazes não andam de bermuda na rua. Com toda certeza é um choque encontrar um corredor, com roupas de corredor em Mbanza Kongo..... mas corri. E foi muito bom, melhor do que é normalmente.
Quando cheguei próximo à casa que irei morar, encontrei 4 garotos na rua brincando. O mais velho deveria ter uns 9 anos. E eles começaram a correr comigo! Perguntaram se era jogador. Perguntaram se era português. E minhas respostas empolgaram tanto que eles continuaram a correr comigo!!!! Por muito tempo!! Aí foi uma festa, pois todos na rua começaram a cumprimentar e dizer “Agora o pula tem equipa!”. Pula é branco, equipe aqui é equipa. Conversando com minha equipa percebi como o Brasil é simpático, até para as crianças. Eles perguntaram se eu assisto a novela Mutantes, da Record. Nunca vi. Não sei nem como era a abertura. Mas disse a eles que sim e a farra aumentou! Disse que no Brasil “Mutantes” já acabou e que iria contar o final. Aí foi stress. Uns queriam, outros não. Como não sabia mesmo, desconversei.
Encontramos depois mais 3 garotos e eles se juntaram a nós. Foi massa. Corremos em 8. Por um momento me senti acolhido e no meu grupo de corrida, a Marathon Club. E aproveitei para fazer o papel de provocador do professor. Disse que a África é um berço de grandes corredores. Que existem muitos aficanos vivendo da corrida e de outros esportes. E incentivei eles a correrem! Monstro, se você não fosse movido a dinheiro imediato, iria propor uma filial aqui. Pelo biotipo da galera, todos seriam feras! Investimento de longo prazo com retorno garantido!!!! Marathon Club Agenciamento de Atletas Ltda!!!! 50% é meu!!!!!
Precisei mandar eles para casa, eles queriam continuar! Mas combinei com eles que sempre passarei por aquela rua nos meus treinos. Se estiverem lá, irão me acompanhar de novo. Depois fiquei pensando como tem gente desperdiçada nesse mundo. Tenho certeza que entre aqueles meninos tem um Bolt, um Slater, um Minotauro... Meu filho tem tantas oportunidades e vive dizendo que tá sem saco..... acorda moleque!!!!
Sei que teve gente que pelo título do post estava esperando histórias de minas. Ainda não é hora de falar delas.....

3 comentários:

  1. Quando você voltar vai levar bonés e tênis para seus novos colegas de corrida. Já estou apaixonada pelas crianças!!! Quem sabe você não ajuda a revelar novos talentos?
    Huang, vamos ampliar o projeto cinderela!!!!!!!!

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  2. rsrsrs, não seria ruim, hein. Monstro, eu não penso só em dinheiro. SÓ, não...rs

    Deve ser massa conversar e conhecer uma nova cultura, os meninos, as dúvidas, as curiosidades. Pow, show de bola.

    Eu levei 1 semestre para ter a quantidade de alunos que você já tem. E depois eu que sou marqueteiro...kkk

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  3. Poooorraaa monstrooo vc ta por ai ééé??? bala velhoo!!!! to gostando do blog!!
    abs...
    Antônio Chequer

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