Passar uma temporada longe de casa tinha que ter pelo menos uma coisa legal. Sozinho posso dormir com a TV ligada. Todos os dias! Cissa não tolera. Eu me amarro. Pela paz, nem TV no nosso quarto colocamos.
Hoje quando abri o olho tava começando um programa que nunca vejo no Brasil, o Ação, na Globo Internacional. O programa de hoje: A cor da cultura.
Em uma daquelas “sacadas” dos publicitários, que vivem tentando ser espetaculares, saíram com esse nome para o programa. A ideia era “brincar” com “a cor da”, que sem espaço vira “acorda”. A edição de hoje tentou mostrar, mais uma vez, como a África influencia a cultura baiana. Nas mais variadas manifestações. No final minha conclusão - não aprofundaram em nada, muito pelo contrário, foi tão raso que chegou a irritar.
Eu até tento dar outro direcionamento para meus textos, escrever sobre as mais variadas coisas, mas não consigo me calar diante do que vi. Serginho Groissman é até um cara que tem algum conteúdo. Tenho assistido “Altas Horas”, que aqui na África não é transmitido de madrugada como aí no Brasil. Gosto do modelo, com duas bandas, sexóloga, artistas, atletas, intelectuais, platéia interagindo, tudo misturado, Sai coisa legal. Outro dia, por exemplo, teve Charlie Brown Jr e Luan Santana, Rock e Sertanejo, e foi bom. A fusão pode sim ser bacana.
Só que o Ação de hoje foi mistureba. Daquelas indigestas. Vamos lá.
Teve Dadá falando da influência da África na comida. Ela até que cozinha legal, mas fracassou no discurso. Se limitou a falar de adaptações das “comidas de santo”, do dendê que dá “cor, perfume e charme” aos pratos. Falou do ato de muquiar a folha de banana, ação de “passar toda a energia do fogo” para o que será a base de alguns pratos. Por fim, disse que “não se bate os temperos no liquidificador para não perderem a força”. Segundo a maga da nossa fantástica comida baiana (A-D-O-R-O-!-!-!, não Dadá, a comida), o tempero tem que ser cortado e amassado com faca e machucador, "para passar todo o amor e força da Bahia". Me poupe. Não falou nada de influência. Dadá deveria ficar na cozinha. Rende melhor....
Vi também um historiador e uma antropóloga, esses dois sim falaram rapidamente e passando firmeza, sobre tribos e etnias que foram levados da África para o Brasil na época da escravatura. Só os de etnia Bantu, saíram de regiões geográficas onde hoje estão Angola, República do Congo, República Democrática do Congo, Moçambique e até a Tanzânia. Eu que pouco andei só em Angola, já percebo as diferenças na comida, na língua, no vestir de uma província para outra. Imagine de um país para outro. A Tanzânia tá do lado de lá da África gente! Tô até querendo ir lá ano que vem, uma pequena aventura, depois eu conto. Convite do Dr. Nelson Salles Neto, amigo Piaba, do Vieira.
Depois vou transmitir a aula que tive ontem sobre o Antigo Reino do Congo. É massa que poderemos esclarecer um monte de dúvidas sobre Congos em geral.
Os escravos da etnia Bantu foram vendidos e se concentraram basicamente no Rio e em Minas.
Os que foram levados para a Bahia, o tráfico negreiro dividia em Malês, Nagôs e Jejes. Essa galera veio de regiões onde hoje estão Costa do Marfim, Benim, Togo, Gana e Nigéria.
Vamos esclarecer então:
Os nagôs falavam iorubá e eram das tribos Ketu, Egba, Sabé.
Os jejes eram das tribos Fons, Ewés, Fanti.
Os males falavam a língua hauçá e seguiam a religião muçulmana. Os Hauças habitam a Nigéria, mas se espalharam pelo continente inteiro. Existem hoje concentrações Hauças em Gana, Costa do Marfim, Sudão e República dos Camarões.
Além dos Malês, também foram trazidos para a Bahia escravos de outras etnias islamizadas, como mandingas, fulas, tapa, bornu.
Voltando ao programa, na sua parte final, teve Vovô do Ilê. Não o conheço pessoalmente, mas sei que ele tem um trabalho atuante e importante na Senzala do Barro Preto, na Liberdade. Sei também que o seu trabalho tem como lastro a autoestima do povo de pele negra e isso deriva para a música, a dança, a moda, e um conjunto de manifestações que no final das contas resulta no que é o Ilê Aiyê hoje. Apesar de ter começado como forma de protesto contra os blocos de carnaval em que não desfilavam negros, a entidade atualmente tem escola, cursos profissionalizantes, oficinas de música, teatro, dança e por aí vai. Só que na hora em que terminou eu perguntei “sim, e as origens africanas????”
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Deusas do Ilê |
Se aqui em MBanza Kongo eu disser a um angolano que a casa da minha avó em Itapagipe não era nenhuma biboca, tinha sapoti e jabuti, se comia cuscuz, bolo de aimpim, de tapioca, de puba e pamonha porque nunca estivemos na pindaíba, o que acontece? Provavelmente ele só vai saber que tudo isso rolava na casa da minha avó! Nada disso é do africano, gente, é do índio. O povo original do Brasil.
Gente, tô terminando o texto com a TV ligada (lógico!) e acabo de ouvir Evaristo, repórter que apresenta o Jornal Hoje, que aqui passa 18h, dizer que a Globo, em parceria com o Ministério da Educação está fornecendo o material da série “A cor da cultura” para ser utilizado pelas escolas. Basta solicitar ao MEC. Alguém peça aí, para fazermos uma análise mais apurada disso!
Ninguém vai dizer que o iorubá é do índio. É da África. Ninguém vai dizer que quando os escravos rezavam, dançavam nas senzalas não faziam exatamente como na África, sua terra mãe. O arroz de hauçá é da África sim!!! Não dá para contestar a maioria negra da Bahia. Não dá para não buscar associações e origens. Mas também não dá para aceitar tanta fragilidade na informação. Pode até ter gente que não liga, tem coisa mais importante para se preocupar. Só que eu estou na África. Sei que uma parte nossa veio daqui. Não é da minha natureza adiantar o lado sem procurar entender o passado. E hoje tenho muito claro na minha cabeça que passado, presente e futuro estão ligados, são inseparáveis. Aí é uma outra conversa....